O Professor Titular de Neurofisiologia da UFMG, Fernando Pimentel Souza, Membro Pleno do Instituto de Pesquisa sobre o Cérebro, entre outras qualificações, publicou na íntegra uma pesquisa científica sobre os efeitos da poluição sonora no sono e saúde das pessoas. Reproduzo aqui o artigo:
1) Resumo (Summary): Efeito da Poluição Sonora no sono e na saúde em geral: Distúrbios do sono e da saúde em geral no cidadão urbano, devidos direta ou indiretamente ao ruído, através do estresse ou pertubação do ritmo biológico, foram revistos na literatura científica dos últimos 20 anos. Em vígilia, o ruído de até 50 dB(A) (Leq) pode perturbar, mas é adaptável. A partir de 55 dB(A) provoca estresse leve, excitante, causando dependência e levando a durável desconforto. O estresse degradativo do organismo começa a cerca de 65 dB(A) com desequilíbrio bioquímico, aumentando o risco de infarte, derrame cerebral, infecções, osteoporose etc. Provavelmente a 80 dB(A) já libera morfinas biológicas no corpo, provocando prazer e completando o quadro de dependência. Em torno de 100 dB(A) pode haver perda imediata da audição. Por outro lado, o sono, a partir de 35 dB(A), vai ficando superficial, à 75 dB(A) atinge uma perda de 70 % dos estágios profundos, restauradores orgânícos e cerebrais. Principais fatores do ruído urbano no Brasil, com alguns dados de Belo Horizonte, foram discutidos e algumas medidas para reduzi-los foram sugeridas.
Foto: Blog Onofre
2) Efeitos sincronizadores e pertubadores do ruído e de outros fatores no sono
A ciência tem desvendado nobres funções do sono como as psicológicas, as intelectuais, as da memória, as do humor e as da aprendizagem. O sono parece ser o período mais fecundo para consolidar os traços mnemônicos e geradores de criatividade. Prejuízos causados a êle diminuem a capacidade das funções superiores do cérebro, condenando suas vítimas a cidadãos de segunda classe (Jouvet, 1977; De Koninck et al, 1989; Pimentel-Souza, 1990). A sensibilidade de Scbopenhauer já o permitia antecipar de mais de um século as provas científicas de hoje ao afirmar: "O barulho é a tortura do homem de pensamento".
Mostraram-se no sono ritmos circadianos e os ultradianos de seus estágios, dai a necessidade da regularidade através dos dias. Assim, o aumento do período de vigília tende a reduzir o período de sono no mesmo dia, para manter o ritmo circadiano, mas no período seguinte o sono tende a recuperar sua duração. Quanto ao sonho, há compensações da sua duração também, quando pára a sua privação (Cipolla-Neto et al, 1989; Pimentel-Souza, 1989). Quando se dorme menos do que sua média, ou poupando mediadores químicos do sonho no cérebro ao privá-lo, ocorre curiosa compensação por ficar fisicamente mais ativo durante o dia, mas reagindo menos intelectual e criativarnente, e vice-versa (Jouvet, 1977; Carlini, 1983; Santos e Carlini, 1983; Calfi, 1983). Estas variações podem ser confundidas com aspectos das personalidades individuais e até serem usadas na terapia de certo tipo de depressão, quando é acompanhada de hipersonia.
Foto: Veja Abril
O ruído é um dos sincronizadores ou pertubadores do ritmo do sono mais importantes. Distúrbios do ritmo do sono produzem sérios efeitos na saúde mental. Na síndrome de fusos horários das viagens internacionais, sob "jet lag effect", recomenda-se não tomar alguma decisão importante, até recuperar o humor e a capacidade mental ou não competir antes da readaptação fisiológica, que permita readquirir a plena forma física. Os operários de turnos e notumos geralmente possuem um sono de má qualidade no período diurno, devido aos conflitos sociais e excesso de ruído diurno, provocando aumento da sonolência no período de trabalho noturno, muitas vêzes incontroláveis e responsáveis pelo maior número de acidentes entre 3 e 5 horas da manhã (Cipolla-Neto, 1989; Fischer et al, 1989a e b). O contínuo atraso do sono pelos horários de trabalho e variações do ritmo das atividades sociais, facilitados pelo uso da luz elétrica e atrações noturnas, pode levar à constante insônia. É mais fácil atrasar a fase do sono que avançá-la, o que complica a regularização (Czeiler et al, 1981). Por outro lado, latências emcurtadas do sonho, do despertar, do pico de temperatura, do pico de cortisol, aparecem na depressão ou podem causá-la. No caso maníaco ou depressivo há respectivamente atraso ou avanço desses ritmos citados acima. Um efeito terapêutico do lítio, usado na estabilização da depressão, pode ser atribuido ao atraso de fases daqueles ritmos biológicos mencionados (Mouret, 1982; Cipolla-Neto, 1989; Reimão, 1990).'
O sono de todos os indivíduos é sensível ao ruído, havendo perdas proporcionais às pertubações nas suas nobres funções. Vallet et al (1975a e b), Friedmann e Chapon et al (1972) encontraram, num raio de 2 km de auto-pistas e aeroportos, em pessoas há vários anos "adaptadas", uma redução média de 35 % na parte mais nobre do sono, os estágios profundos e paradoxal, quando o ruído médio aumentou de 43 a 55 dB(A) (Acústicos) no interior da residência, quando se atingia em torno de 77 dB(A) externos. Neste nível o EEG já mostrava pertubações em 52 % das pessoas, apesar de despertar a consciência só em 3 % e de mudar para estágio mais superficial em 17 %. Já o aumento de mais 20 dB(A) externos provocou 100% de pertubações no EEG. Terzano et al (1990) notaram que há uma queda linear no sono profundo na variação de 35 a 75 dB(A), chegando a 70 % de perda, usando ruído branco num laboratório de sono. Segundo as Associações Internacionais de Distúrbios de Sono (ASDA, 1990) cerca de 5 % das insônias são causadas por fatores externos ao organismo, principalmente pelo ruído, 10% são devidas a má higiene do sono, isto é, comportamento inadequado para o sono sobretudo nas duas horas que o procedem, e 15 % são resultantes de internalização no cérebro dos fatores pertubadores externos através do mecanismo de condicionamento aprendido involuntariamente. Um dos indicadores da má qualidade de vida ambiental nas nossas cidades no Brasil foi revelado por pesquisa de Braz (1988) na cidade de São Paulo, onde 14 % das pessoas atribuem suas insônias a fatores externos, das quais 9,5 % exclusivamente ao ruído. Além disso, o ruído deve ter uma importante contribuição indireta, através do estresse diurno e noturno, causando também má higiene do sono, cujos efeitos são traiçoeiramente desapercebidos das pessoas por não terem efeitos imediatos e não deixarem rastro visível, num mundo moderno predominantemente visual, cujas informações são estimadas em 90 % do nosso universo atual. Enfim, o ruído torna
o sono mais leve, causando profundos danos fisiológico, psicológico e intelectual.
O Centro de Estudos de Pertubações e de Energia (CERNE, 1979) na França reconheceu que o ruído de baixos niveis permite adaptação . Mas, após vários anos, os déficits no sono, sob níveis de até 55 dB(A) internos, são cumulativos, mudando a estrutura do sono como se fossem de pessoas envelhecidas precocemente. Pessoas de 35 anos, estudadas, estavam dormindo como se fossem de 55-60 anos não expostas a barulho. Enfim, dormir e desempenhar mal não é necessariamente causado pela idade.
3) Efeitos do ruído nas atividades de vigília
Em qualquer horário o ruído elevado é pertubador. Um pulso de som de 90 dB de apenas 20s desenvolve 80s de constrição periférica nos vasos sanguíneos. Dr. Guilherme (1991), otorrinolaringologista da Escola Paulista de Medicina (EPM), estima em 30 % de perda da audição nos jovens que usam "walkmen", toca-fita ou toca-disco duas horas por dia a níveis próximos de 100 dB. Já outro especialista, Dr. Cataldo, Diretor da Escola de Fonoaudiologia Izabela Hendrix de Belo Horizonte, tem constatado surdez súbita e irreversível em pessoas que assistem concertos de rock a mais de 100 dB, por efeito de vasoespasmos no ouvido interno. 64 % das pessoas tinham queixas de ruído ou vibrações na França em 1976-1977 (CERNE, 1979), época em que Paris já obtinha valores pelos menos cerca de 10 dB(A) menores do que em Belo Horizonte de hoje, sobretudo no período noturno (Fallot e Stein, 1979). Esse percentual é da ordem dos encontrados pela maioria das reclamações atuais na Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) em Belo Horizonte, onde o nível médio de ruído diurno foi 70 dB(A) em 1988 (Alvares, 1982; Alvares et al, 1988), e também previstas em pessoas submetidas a nível semelhante de ruído que relataram profundos incômodos (Schutz et al, 1976). Entretanto, a França depois disso tem adotado medidas rigorosas para combater o ruído, tornando seus veículos automotores mais silenciosos e outras, inclusive como resultado das pesquisas de um orgão, o CERNE, criado no Ministério de Transportes, e que dedica parte substancial de seu trabalho aos efeitos da poluição sonora. Cantrell (1974) mostrou que descargas sonoras de 85 sobre 70 dB de fundo, nos períodos diurnos em forma de pulsos durante somente 3 % do tempo, e só 50 dB de fundo no período noturno, desencadeararn, durante os 40 dias de experimento, um aumento do colesterol de 25 % e do cortisol plasmático de 68%. Os pacientes eram jovens saudáveis de 20 anos. Portanto, os menos susceptíveis aos efeitos nocivos. Alguns efeitos do hipercortisolismo são diminuição dos linfócitos, do tecido linfático e da antitrombina e alta de trombócitos. Pelas reações fisiológicas conhecidas, a Organização Mundial da Saúde considera então a 55 dB(A) (Leq) o início do estresse auditivo (WHO, 1980). O estresse em estágios iniciais pode até
ser usado beneficamente na medida em que funciona como excitante ocasional (Tufik, 1991). Mas, quando se torna crônico, ele começa a degradar o corpo e o cérebro, conduzindo à exaustão rapidamente (Bonamin, 1990). Nos trabalhadores tem sido constatado nesses últimos casos: efeitos psicológicos, distúrbios neuro-vegetativos, náuseas, cefaléias, irritabilidade, instabilidade emocional, redução da líbido, ansiedade, nervosismo, perda de apetite, sonolência, insônia, aumento da prevalência de úlcera, hipertensão, distúrbios visuais, consumo de tranquilizantes, pertubações labirínticas, fadiga,redução da produtividade, aumentas do número de acidentes, de consultas médicas, do absenteísmo etc (OIT, 1980; WIIO, 1980; Quick e Lapertosa, 1983; Gomes, 1989).
O excesso de colesterol líberado pelo ruído justifica resultados como os do recente Congresso na Alemanha em que populações, submetidas a níveis entre 65 e 70 dB(A), tiveram 10 % a mais de infarte e entre 70 e 80 dB(A), 20 % (Babisch, 1991). De fato, Jansen e Andriukin mostraram nas fábricas mais barulhentas da Alemanha maior incidência de hipertensão, de distúrbios, circulação periférica e de equilíbrio, agravando-se com a idade (Cantrell, 1974).
A poluição sonora é a perturbação, que envolve maior número de incomodados, e diante dos danos dramáticos causados já ocupa a terceira prioridade entre as doenças ocupacionais, só ficando após das provocadas por agro-tóxicos e as osteoarticulares no Estado de São Paulo (Gomes, 1989). Infelizmente, este é mais um fator de risco da maioria das pessoas desse país, agravando doenças cárdio-vasculares e infecciosas, a recuperação dos enfermos em geral, e tornando mais fácil o adoecer dos sãos. O estresse crônico e distúrbios do sono, provocados pela poluição sonora, se realímentam mutuamente, aumentando a nocividade de ambos.
-Até que ponto parte das 68 % das infecções hospitalares em BH em 1989, considerados irredutíveis devido à queda da resistência imunológica, segundo Grupo Técnico de Infecções Hospitalares da Secretaria de Estado de Saúde de MG, podem ser atribuidos à poluição sonora ? Há maior susceptibilidade a gripes e dores de garganta sob estresse psicológico (Cohen et al, 1991). Mas há casas dramáticos, que nem podem mais esperar. Dentro de um Centro de Tratamento Intensivo (CTI) com janelas fechadas de um famoso hospital, verifiquei em dezembro de 1990, um nível de ruído de 60 dB(A) ás 17 h pouco antes do máximo de poluição sonora. Até as médicos residentes do turno se queixavam. Esta é a condição de muitos CTIS da capital. Haveria necessidade de baixar pelo menos 20 dB(A) para se chegar próximo aos 40 dB(A) recomendadas. A mais eficiente solução seria reduzir as fontes sonoras de 120 vezes.
-Mas, como ?
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